#É destaque

Decifrando o DNA do trigo duro com tecnologia, para um futuro sustentável

18 de fevereiro de 2025

Uma Itália que não consegue cultivar seu próprio trigo para macarrão? É uma corrida contra o tempo.

Usando um banco de dados compartilhado em um supercomputador da Microsoft, cientistas da Itália e de outros países estão trabalhando juntos.

A missão é desenvolver novas variedades de trigo duro que possam resistir melhor ao calor e à seca causados pelas mudanças climáticas.

Como conta Luigi Cattivelli, a história do trigo duro começa há mais de 10 mil anos, quando alguns agricultores neolíticos começaram a cultivar uma gramínea selvagem chamada espelta.

Esses agricultores selecionaram sementes que exibiam características que tornavam a espelta mais fácil de colher e comer.

À medida que pequenos grupos de pessoas migraram do Crescente Fértil, uma área do Oriente Médio, eles levaram sementes consigo, adaptando ainda mais as plantas aos climas e condições de novas terras.

Ao longo de gerações, por meio de cultivo seletivo e cruzamentos, os seres humanos desenvolveram o trigo duro e, mais tarde, o trigo para pão.

Na Itália, onde o trigo duro se tornou a fonte do macarrão, também houve adaptações de plantio.

Cattivelli, especialista no genoma do trigo, diz que o próximo capítulo da história trata de nosso futuro imediato.

“Precisamos nos adaptar ao planeta exatamente como nossos antecessores fizeram”, diz ele.

Ao seu ver, cientistas devem desenvolver novas variedades de trigo e outras culturas alimentares básicas para atender ao ritmo apressado ditado pelas mudanças climáticas.

 “É basicamente a mesma história, exceto que agora, mesmo ficando na mesma localidade, precisamos nos adaptar porque o clima está mudando”, afirma o diretor do Conselho de Pesquisa Agrícola e Econômica do governo italiano (CREA), Luigi Cattivelli.

Luigi Cattivelli em Fiorenzuola d’Arda, Itália. Fonte: Chris Welsch

Mudanças climáticas impulsionando um senso de urgência

Cattivelli dirige o Centro de Pesquisa Genômica em Fiorenzuola, que faz parte do Conselho de Pesquisa Agrícola e Econômica do governo italiano (CREA).

Cattivelli, seus colegas e equipes de geneticistas de culturas de outras partes do mundo, estão usando a computação de alto desempenho na nuvem Microsoft Azure para tentar desvendar os segredos genéticos do trigo duro e de outras variedades de trigo.

No Projeto Pangenoma, eles estão analisando os genomas de cerca de 40 variedades de trigo, e seus ancestrais, em busca de características que ajudem a cultura a prosperar em condições extremas.

A iniciativa também busca ser mais eficiente no uso de recursos naturais, produzir plantas mais resistentes a pragas e doenças, reduzindo a necessidade de fertilizantes e pesticidas.

Não é apenas uma questão de macarrão para os italianos. É uma busca urgente porque cultivar alimentos básicos como trigo, arroz e milho em quantidade suficiente para a sobrevivência humana.

“Estamos gerando petabytes de informações que precisamos filtrar para algo significativo”, diz Curtis Pozniak, geneticista que dirige o Centro de Desenvolvimento de Culturas da Universidade de Saskatchewan, no Canadá.

O trigo compõe cerca de 20% das calorias consumidas pelos humanos globalmente.

E as mudanças climáticas são uma ameaça direta à produção de culturas em todo o mundo, desde secas e calor até chuvas torrenciais e outros eventos climáticos extremos, como as recentes inundações no leste da Espanha.

Trabalhando em conjunto com a Microsoft, o CREA construiu uma estrutura na nuvem Azure que eventualmente poderia abrigar e analisar múltiplos petabytes de dados genéticos dos genomas de muitas variedades de trigo de múltiplas fontes.

Para ter uma ideia do que isso significa, um petabyte poderia conter até 2 mil anos de música digital, se tocada continuamente.

“A única maneira eficiente de fazer isso é por meio de plataformas baseadas em nuvem, onde os mesmos dados podem ser compartilhados com uma ampla gama de especialistas ao mesmo tempo”, afirma Pozniak, que está entre os fundadores do Projeto Pangenoma.

Esses dados, que são armazenados no data center da Microsoft do Norte da Itália, são então processados e analisados no que é conhecido como “pipeline”, também hospedado no Azure. Um pipeline é uma série de etapas de processamento de dados, neste caso criado com programação de código aberto.

Este pipeline genômico específico é projetado para lidar com bilhões de pequenas sequências que precisam ser ordenadas para formar os 14 cromossomos do genoma do trigo duro.

O pipeline é uma ferramenta que ajuda os cientistas a montarem esse quebra-cabeça elaborado.

Este enigma genômico pode ser visto e trabalhado por equipes de cientistas onde quer que estejam no mundo.

Conhecimento e informações extraídas do quebra-cabeça genômico serão incorporados em novas variedades que serão disponibilizadas aos agricultores nos próximos anos.

“Trabalhar na nuvem nos dá várias vantagens, mas a mais importante é como fazemos a ciência. Agora, pesquisadores do Canadá, Austrália, Japão e Estados Unidos podem trabalhar nos mesmos dados, com as mesmas ferramentas, no mesmo problema. E este é o verdadeiro avanço”, conclui Luigi.

Fonte: Chris Welsch

Com as vantagens da computação de alta velocidade e da colaboração eficaz, a velocidade da pesquisa é grandemente acelerada, diz Pozniak, que também é professor e criador de trigo.

“Levei a maior parte do meu doutorado para clonar um único gene que era importante para uma característica do trigo”, lembra o professor.

Ele afirma estar empolgado pelos pesquisadores que estão no início de suas carreiras, porque eles têm ferramentas que não estavam disponíveis quando ele estava trabalhando em seu doutorado há 20 anos.

“Com os tipos de dados e ferramentas de análise que temos à nossa disposição agora, estamos fazendo isso em questão de semanas ou meses. É um momento emocionante para ser um cientista”, conclui Curtis P.

A evolução do trigo

Cattivelli tem uma história pessoal com o trigo. Ele cresceu em uma fazenda no Vale do Rio Po, cerca de 20 quilômetros de seu escritório no centro de pesquisa. Seu pai cultivava trigo, entre outras culturas.

Os pesquisadores do CREA estão usando uma abordagem multidisciplinar chamada genômica para obter uma compreensão granular do trigo.  

A genômica combina biologia, bioinformática e tecnologia da informação para analisar e interpretar dados biológicos.

As ferramentas são diferentes, mas os objetivos são os mesmos que têm sido há milhares de anos – selecionar características para garantir a melhor colheita possível.

“A bioinformática é apenas o último capítulo da história”, diz Cattivelli.

A pesquisadora Primetta Faccioli caminha por uma estufa no Conselho de Pesquisa Agrícola e Econômica (CREA) do governo italiano em Fiorenzuola d’Arda, Itália. Fonte: Chris Welsch

Uma de suas colegas do Centro de Pesquisa Genômica, Primetta Faccioli, liderou o esforço para criar o sistema na nuvem Azure para armazenar e analisar dados genômicos.

Ela começou sua carreira como bióloga trabalhando no laboratório com plantas. Agora ela trabalha principalmente com dados.

Como Cattivelli, Faccioli cresceu em uma fazenda perto do centro de pesquisa em Fiorenzuola e, como ele, se apaixonou pela genética – a história por trás das plantas que sua família estava cultivando.

“Alguns anos atrás, pensávamos que a produção de dados era mais difícil do que a análise de dados, mas não é assim”, diz ela. “Precisamos de ambos no mesmo nível. O ditado ‘lixo entra, lixo sai’ é verdadeiro. Então, se o lixo vem do laboratório, a bioinformática produz lixo. Precisamos trabalhar juntos.”

Cientistas decifrando códigos genômicos

O genoma do trigo para pão foi completado em 2017. Mas isso é apenas um passo.

O genoma, essencialmente uma lista de genes que compõem uma forma de vida, contém bilhões de bases de DNA, e elas são construídas em sequências (se você lembra das aulas de biologia, essas sequências são formadas por um alfabeto de quatro letras, A, C, G e T).

Essas sequências são códigos elaborados que descrevem como uma forma de vida funciona nos mínimos detalhes.

O trigo tem um genoma particularmente elaborado – o trigo duro tem 10,5 bilhões de bases e o trigo para pão tem cerca de 15 bilhões de bases – isso é três vezes mais do que o genoma humano, dizem os cientistas do CREA.

“A ideia é encontrar os genes que controlam características específicas na planta, possibilitando a criação de novas variedades com as características-alvo e com maior rapidez.” diz Faccioli.

Macarrão em forma de hélice de DNA com código binário. Imagem gerada pelo Microsoft Copilot.

Este quebra‑cabeça genômico pode ser visto e trabalhado por equipes de cientistas onde quer que estejam no mundo. Conhecimento e informações extraídas serão incorporados em novas variedades que serão disponibilizadas aos agricultores nos próximos anos”, conclui a pesquisadora Faccioli.

Redação i9Brasil

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *