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Empatia Inovadora: luva tecnológica poderá controlar tremores dos pacientes com Parkinson

10 de setembro de 2024

Reunião no laboratório da Escola para trabalhar na elaboração da luva. Fonte: Equipe Glovete

Inovação surgida pela empatia aos pacientes, e familiares, que sofrem com a Doença de Parkinson (DP).

Por Keren Belem, São Paulo

Era começo de julho de 2023, na manhã de um dia letivo normal para todos os professores na cidade de Carnaíba/Pernambuco. Exceto para o professor mestre Gustavo Bezerra que, com o aviso prévio, faltara à aula para levar sua mãe ao médico.

Dona Luzinete Bezerra enfrentava novamente complicações na Doença de Parkinson (DP), da qual é portadora. No dia seguinte, em conversa com alguns de seus alunos do terceiro ano do ensino médio, Gustavo fala o motivo de sua falta e

 “nesse primeiro momento, na hora do intervalo, surgiu a ideia deles de pesquisar uma alternativa que pudesse sanar as necessidades dela e de outras pessoas na mesma realidade”, conta o professor.

O dicionário de Oxford define empatia como a “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, etc”. Essa capacidade os fez iniciar uma desafiadora jornada no sertão nordestino.

Sem uma universidade na cidade, sem centro de pesquisa e à 401 km da capital Recife, inovaram com tecnologia e ciência para aumentar a qualidade de vida desses pacientes. A estudante, e integrante da equipe, Rayane Moraes enfatiza o papel dessa capacidade no projeto afirmando

“a empatia foi o fator inicial porque se naquele dia a gente não tivesse tido a empatia com o professor e a vida das pessoas, a gente não teria dado início a esse projeto”.

Causa e sintomas: Doença de Parkinson

A Doença de Parkinson é uma doença crônica degenerativa. Esta afeta a região do cérebro chamada de substância negra. Essa região produz a dopamina, um neurotransmissor que

“quando não é produzido, atinge outra área do cérebro que é chamada de núcleos da base”, como afirma o Fisioterapeuta Neurofuncional, da Fundação Hospital Adriano Jorge, Heiner Borges.

Os núcleos da base comandam a parte motora do corpo, por isso quando o paciente tem a DP apresenta várias sequelas em sua mobilidade.

Existem diferentes tipos de Parkinson definidos como

“parkinsonismo primário que, sendo o mais comum de todos, ocorre por questões genéticas e o parkinsonismo secundário que ocorre por interferências externas. Por exemplo, após um trauma na cabeça que afete os núcleos da base, o paciente pode desenvolver o Parkinson”, afirma Heiner.

Fisioterapeuta atende paciente com limitações na mobilidade. Fonte: Freepik

Essas variações da causa da doença têm sequelas motoras e não-motoras comuns. As sequelas motoras são o tremor de repouso, sendo a instabilidade na maioria das vezes nas extremidades dos membros superiores. A bradicinesia, uma dificuldade de movimentar o corpo causando lentidão; a instabilidade postural, gerando flexão nas costas, quadris e joelhos; e a rigidez nos membros do corpo.

As sequelas não motoras são a sonolência, indisposição para atividades físicas ansiedade e até depressão.

Borges lembra que a fisioterapia, os medicamentos ou algum dispositivo externo não podem extinguir os tremores dos pacientes. Nesse sentido, Gustavo relata como sua mãe quase não tem mais autonomia para fazer coisas básicas no dia a dia e convive com o medo de se machucar.

“Já rodamos em vários neurologistas da região e todos só passam medicamentos. A gente não via nem uma alternativa tecnológica para sanar essa necessidade”.

O estudante e participante do projeto, Danilo de Lima, relata como na escola eles possuem uma equipe de robótica. Esse turma sempre participa de Olimpíadas Brasileiras de Robótica (OBR), mas

“nós nunca usamos a robótica para fazer alguma outra coisa além de competir em olimpíadas. Quando o professor Gustavo chegou em 2023, ele intensificou os projetos e deu a ideia de usarmos a robótica para fazermos trabalhos úteis para a sociedade.”

Nascimento da ideia: luva Glovete

Falando sobre as suas práticas de ensino na Escola Técnica Estadual (ETE) Professor Paulo Freire, o professor Bezerra afirma

“oferecemos uma formação para os alunos sempre orientando que eles analisem problemáticas à volta deles e proponham soluções”.

Grupo do projeto em um de seus momentos de trabalho. Fonte: equipe Glovete.

Quem diria que o ensino das ciências e responsabilidade social se voltaria em empatia para o próprio professor? Quando ele compartilhou a história de sua mãe, os alunos tiveram a ideia de criar um projeto para ajudar pessoas como a Sra. Luzinete e já iniciaram pesquisas em contraturno nos laboratórios de sua escola.

Surge assim o projeto da luva Glovete, uma luva unindo vários campos da ciência, como neurologia, robótica e física, para auxiliar no controle dos tremores de pacientes com a DP. Seis voluntários integraram a equipe liderada pela professora Carla Robecia e o professor Gustavo Bezerra. Junto com os alunos Danilo de Lima, Rayane Moraes, Gustavo Queiroz e Felipe Santos, começam as pesquisas sobre a DP e delimitam que a região afetada com tremores na qual focariam seria a das mãos.

Professor Gustavo testa a luva. Fonte: equipe Glovete.

Buscaram alguns dos dispositivos oferecidos no mercado para esses pacientes, encontrando colheres, copos e até uma luva de fora do Brasil, tendo esta valores chegando até R$4.200,00. Pensaram em fazer algo mais acessível e continuaram as pesquisas baseados na sugestão do professor Gustavo que dá aula de Física

“e propôs que usássemos o Princípio da Conservação do Movimento, o qual em nosso projeto é rodar um objeto tão rápido ao ponto de no seu eixo gravitacional gerar uma região totalmente estável”, conta a integrante da equipe Rayane.

Vídeo de divulgação da Glovete publicado em 25 de out. de 2023 no canal do professor Gustavo. Fonte: Youtube

Funcionamento da luva estabilizadora

“A palavra Glove é luva em inglês. Nós unimos isso à sigla da nossa escola (Escola Técnica Estadual – ETE) e chegamos ao nome GlovEte”, disse o estudante Danilo sobre a nomeação do protótipo.

Motor de HD utilizado na luva. Fonte: equipe Glovete.

Entre muita pesquisa, a decisão de fazer a luva com um princípio da física, testes, erros, acertos e a escolha do nome do dispositivo, a elaboração do protótipo foi avançando.

Até o momento, o dispositivo tem os seguintes componentes: Arduino (Placa com micro-controlador programável), ESC (dispositivo para controlar a rotação do motor), potenciômetro (resistor ajustável), pequenas baterias de vibração de celular, motor reutilizado de HD de computador e uma luva de academia. O papel do motor de HD na luva é fornecer alta rotação, a qual associada à vibração das baterias de celular, geram a estabilização dos movimentos involuntários. O valor médio desses componentes facilitou a elaboração do dispositivo para a equipe: R$92.

Fonte: equipe Glovete

De acordo com o professor, na questão da segurança do produto,

“o Arduino opera com uma fonte de 9 voltz e o outro motor também tem 9 voltz. Eles não têm uma corrente alta que possa dar choque na pessoa”.

Quanto à vida útil, a bateria dura bem de 4 a 5 anos, o motor do HD de computador é inoxidável, a parte feita na Impressora 3D é um plástico que tem durabilidade grande e a luva de academia depende do uso.

“Talvez só tenha que ter cuidado em relação à luva de academia porque com a umidade e suor das mãos ela pode se desgastar. Mas isso seria mais fácil de trocar” complementou Bezerra.

Danilo de Lima apresenta a luva no Startup Day. Foto: equipe Glovete.

Fase atual do projeto

Sobre as próximas etapas, Bezerra conta como a equipe firmou uma parceria com a Universidade de Pernambuco (UPE), com um grupo de pesquisas em áreas como a Neurologia e Engenharia. E em especial, está envolvida nessa colaboração a doutoranda Noemi Salazar, Terapeuta Ocupacional que faz a sua pesquisa na área de Parkinson e auxiliará de perto nos aprimoramentos da luva.

O professor Gustavo explica um dos maiores desafios agora: acrescentar ao dispositivo uma bateria mais potente. Isso porque até o momento ele funciona por um curto período e logo precisa ser plugado a uma fonte de energia. O desejo da equipe é acoplar uma bateria com maior capacidade a fim de dar autonomia para a pessoa poder ir para qualquer lugar e quando chegar no final do dia recarregar a sua luva.

“Precisamos fazer adaptações e a doutoranda Noemi nos ajudará nas testagens, a saber onde colocar os vibradores na luva, analisar o peso do equipamento e estratégia para minimizar os tremores”, afirmou o professor sobre a parceria mais recente do projeto.

Ele destaca a necessidade de acrescentar alguns sensores como acelerômetro e outros componentes, para a partir dessas adaptações e da aprovação do conselho de ética, testarem em pessoas.

A estudante Rayane acrescenta sobre a intenção da equipe de conseguir “um motor que gire mais rápido, um Arduino menor e baterias mais duráveis”. Essas modificações vão aumentar o valor de custo da produção. Mas esse acréscimo não fará o futuro valor de comercialização alcançar o preço dos produtos atualmente disponíveis no mercado.

Logo do projeto. Fonte: equipe Glovete.

A equipe da Glovete enfatiza o desejo de lançar o produto o quanto antes, para dar mais qualidade de vida de forma acessível aos portadores da DP. Porém, para o processo de aprimoramento, análise e aprovação do comitê de ética para o teste em pessoas, ainda há um processo pela frente. Após a aprovação da segurança para testes em pessoas, haverá a formação dos grupos de testagem e finalização do protótipo. “O que está faltando para nós agora são as parcerias”, resumiu a estudante Rayane.

“Eu faço uma previsão bem otimista de 1 ou 2 anos para a gente conseguir todas essas autorizações e parcerias para disponibilizarmos a Glovete no mercado”, conclui a integrante da equipe.

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