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Volta às aulas sem celular: tentativa do governo de diminuir o excesso de telas

10 de fevereiro de 2025

Pesquisas indicam que a exposição prolongada às telas pode afetar tanto a saúde mental quanto a criatividade das crianças. No entanto, especialistas defendem que a maneira mais eficiente e educativa de lidar com esse desafio é por meio da supervisão ativa dos próprios pais.

Uma nova lei federal, sancionada recentemente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, determina a proibição do uso de celulares em escolas públicas e privadas de todo o país. A restrição vale para aulas, recreios e atividades extracurriculares, com exceção de situações de saúde ou emergências.

A regulamentação da medida deve ocorrer em até 30 dias, mas sua aplicação já está prevista para o início do ano letivo de 2025.

A recente legislação surge como uma das principais iniciativas do poder público para enfrentar um desafio crescente nas escolas: o uso excessivo de telas por crianças e adolescentes.

Esse hábito, que se intensificou desde a pandemia da Covid-19, tem sido motivo de preocupação entre educadores e famílias.

Pesquisas científicas e especialistas em saúde apontam que a exposição prolongada a dispositivos digitais está diretamente ligada ao aumento de transtornos mentais na infância, tornando-se um dos principais fatores de risco para o bem-estar psicológico dessa geração.

Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicado no ano passado a partir da análise de 142 artigos científicos, revelou que 72% das pesquisas sobre crianças identificaram um aumento nos casos de depressão ligados ao uso excessivo de telas.

Além disso, os estudos apontam uma relação direta entre essa exposição prolongada e problemas como transtorno de déficit de atenção, hiperatividade e queda no quociente de inteligência (QI).

Também há indícios do desenvolvimento precoce de doenças crônicas relacionadas à obesidade, além do distúrbio de uso abusivo de tecnologias, já reconhecido na Classificação Internacional de Doenças (CID).

Adolescentes ao ar livre próximo a colegas, não interagem uns com os outros pelo uso de dispositivos tecnológicos. Fonte: Freepik

Especialistas alertam que o tempo de uso recomendado para crianças varia entre 2 e 4 horas diárias, mas, na prática, esse limite vem sendo ultrapassado com frequência.

“A consequência disso é uma maior irritabilidade, menor tolerância e frustração, dificuldade de socialização, entre outras coisas. E isso atrapalha muito a rotina porque o celular acaba ocupando muito tempo da pessoa, que deixa de lado outras atividades, principalmente as de convivência”, destaca Catiele Reis, professora do curso de Psicologia da Universidade Tiradentes (Unit) e especialista em Psicologia da Infância.

Para Reis, 3 fatores principais explicam o uso excessivo de telas por crianças. O primeiro é a pandemia, que ampliou as oportunidades para o livre acesso a dispositivos digitais.

O segundo é a chamada “terceirização do cuidado”, em que pais, devido ao trabalho e outras responsabilidades, recorrem à tecnologia para manter os filhos entretidos.

“Talvez o terceiro motivo seja a demanda excessiva de vários lugares querendo trazer a tecnologia, a exemplo das escolas, entre outros lugares. Estar fora da tecnologia muitas vezes é deixar a criança de lado, e daí surge todo um mercado tecnológico por conta disso”, observa a especialista.

A presença da tecnologia nas práticas pedagógicas modernas levanta dúvidas sobre a real eficácia da nova lei que restringe o uso de celulares nas escolas.

Embora a proibição limite o tempo de tela durante o período escolar, muitas instituições utilizam aplicativos, tablets e outras ferramentas digitais como parte do ensino.

“A proibição seria um caminho se as escolas não usassem a tecnologia como ferramenta de ensino. A criança passa um grande tempo sem uso, mas as próprias escolas têm aplicativos, têm aulas com tablet e outras ferramentas que exigem o uso de tecnologias. Então, será que está sendo um caminho ou está mascarando o problema?”, questiona Catiele.

Para ela, mais do que uma simples restrição, é essencial um trabalho de conscientização com os pais, para que equilibrem o tempo de exposição às telas e monitorem o acesso dos filhos a aplicativos e plataformas digitais.

“É controlar o tempo que a criança fica de acesso ao celular, limitando em até duas horas, é ficar de olho no que a criança está mexendo no telefone, naquilo que ela está trazendo, no que ela está vendo, com quem ela está falando etc. E prestar atenção na classificação indicativa destes sites e aplicativos”, diz a especialista. 

Brincadeiras de rua

Uma alternativa para reduzir a dependência das telas é resgatar brincadeiras e atividades ao ar livre, estimulando a interação social e o movimento físico.

Esportes como futebol, vôlei, queimada e artes marciais são opções que ajudam no desenvolvimento motor e na socialização.

Além disso, brincadeiras tradicionais como bola-de-gude, pique-esconde e pega-pega, que antes faziam parte do cotidiano infantil, foram sendo substituídas pelo uso excessivo de dispositivos digitais.

Esse fenômeno alterou significativamente o “modo de brincar” das novas gerações, reduzindo o contato com experiências que exigem mais esforço físico e interação real.

Esse impacto da tecnologia no comportamento infantil foi confirmado em um estudo conduzido pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), da USP, que acompanhou 14 crianças entre 8 e 12 anos. Os pesquisadores observaram que, ao invés de optarem por atividades e jogos lúdicos, as crianças preferem consumir conteúdo em redes sociais como YouTube, TikTok e WhatsApp.

Atriz Thaila conta uma experiência com telas com o seu filho. Fonte: @mileumatretas

Além disso, muitas relataram dificuldades para brincar sozinhas e interagir de forma física com outras pessoas, tornando-se também mais vulneráveis a problemas como cyberbullying, assédio e pressões psicológicas. Um dos principais efeitos negativos apontados pelo estudo foi a diminuição da criatividade para desenvolver brincadeiras individuais fora do ambiente digital.

A criança acaba achando muito mais atraente as cores, o vídeo, a tecnologia que é trazida pelos elementos que a gente tem aqui. Então, o ato de brincar vem sendo moldado por essa prática, justamente por conta desses elementos que a gente tem de trazer, com uma grande quantidade de coisas, de situações que fazem com que a criança esteja sempre ligada”, observa Catiele R.

Ela lamenta que, além da atração pelos dispositivos, as brincadeiras coletivas e a socialização estão sendo substituídas por esse ambiente digital, o que prejudica o aprendizado social das crianças.

A professora também atribui essa mudança à crescente “necessidade mercadológica”, com os pais buscando manter os filhos ocupados o tempo todo, muitas vezes em atividades que envolvem o uso constante de tecnologia.

“Perde-se a criatividade porque dão tudo de mão beijada pra essa criança, no sentido de não permitir que ela fique entediada. Ela sempre tem que estarfazendo alguma coisa e perde o espaço de criar essa ‘alguma coisa’ que ela vai fazer”, afirma Catiele Reis.

Ela explica que, quando um brinquedo tecnológico é dado à criança, geralmente já vem com instruções específicas sobre como deve ser usado, deixando pouco espaço para a descoberta e a imaginação.

A professora aponta que esse comportamento está relacionado a uma falta de paciência crescente, que é comum entre os pais da geração digital, que muitas vezes preferem ocupar os filhos com tecnologias ao invés de estimular a criatividade e a exploração livre.

Redação i9Brasil

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