#Artigo

IA generativa: revolução e polêmica nas artes criativas

9 de junho de 2024

Por Maurício Figueiredo*, professor da UEA e pesquisador nas áreas de Internet das Coisas, Sistemas Inteligentes, Aprendizado de Máquina Profundo, entre outros.

Navegando na grande rede me deparei com uma notícia que me chamou muita atenção: O “novo” álbum do Pink Floyd: All In All! Como adorador de música e muito rock logo pensei: Como não fiquei sabendo desse novo disco dessa banda clássica antes?! Logo, entrei no link, sem ler o conteúdo da notícia, vi um vídeo do youtube e comecei a escutar. Aquela ambiência característica, riffs de Fender, solos cheios de reverb e a voz inconfundível de David Gilmour foram surgindo em músicas, de até 10 minutos, completas, com introdução, estrofes e refrões característicos.

Era Pink Floyd, mas não era! Enquanto escutava li o artigo dizendo que tratava-se de um projeto totalmente produzido por inteligência artificial, no estilo do Pink Floyd. Letras geradas por meio de prompts no ChatGPT. Músicas geradas a partir de descrições de estilos por meio de comandos de texto no software Udio. Até a capa do “disco” foi gerada por IA no Midjourney. Impressionante! Mesmo verificando, depois, que as músicas geradas por IA passaram por alguma edição e mixagem manual para que fizessem mais sentido, a IA generativa a todo vapor sendo usada para criação de novos conteúdos.

“A inteligência artificial generativa (IAG) é um subcampo da inteligência artificial que se concentra na criação de novos dados ou conteúdos a partir de dados existentes. Ela pode ser usada para criar uma ampla variedade de conteúdos, incluindo texto, imagens, música e vídeos.O surgimento da inteligência artificial generativa (IAG) tem sido um marco significativo no campo da tecnologia. A IAG tem o potencial de revolucionar a forma como criamos e consumimos conteúdo, tornando-o mais personalizado, envolvente e acessível” [gerado pelo Google Gemini].

Veja acima a definição de IA Generativa pela própria. E veja como isso começa a ter um impacto significativo em várias áreas da sociedade e profissões. Assim como me auxilia a produzir um simples texto de um artigo, permite a pessoas sem habilidades artísticas, como tocar um instrumento ou desenhar, criar arte por meio da própria imaginação expressa por meio de alguns comandos de texto. Em outra notícia, vi o ator Ashton Kutcher, que parece ter uma versão beta da IA generativa de filmes Sora, afirmar: “Sora é incrível. Logo, você será capaz de renderizar e assistir seu próprio filme”. Os vídeos divulgados pela OpenAI como testes do Sora no início de 2024 assustaram o mundo. O que mais vem por aí? Todos queremos esse tipo de ferramenta.

No entanto, há também algumas preocupações éticas em torno da IAG. Como dito pela própria IA acima, ela é treinada em conteúdos existentes. Não seria isso um plágio indireto? Porque de certa forma, a IA está aprendendo padrões desses conteúdos para a geração de novos parecidos, certamente formado por fragmentos combinados dos originais. Quando pedimos a uma IA para gerar uma imagem no estilo impressionista, provavelmente ela está usando padrões aprendidos de obras de Van Gogh. Quando pedimos para gerar uma música no estilo progressivo, com solos em pentatônica, sintetizadores imersivos e atmosféricos,  e sai algo como um cover de Pink Floyd, muito provavelmente suas músicas foram usadas no treino da IA.

Nesses exemplos, no mínimo, caracteriza-se um uso não autorizado de conteúdo protegido. E o imbróglio já começou. Escritores renomados, como George RR Martin e John Grisham, já estão processando a OpenAI com a acusação de uso de seus livros para treino do ChatGPT. A atriz Scarlett Johansson acusou a OpenAI pela suspeita do uso de sua voz para treinar sua IA e integrar o chatbot, remetendo ao clássico filme, que parece ter previsto muito disso tudo, o “Ela”.

Mas então a música que imita Pink Floyd é plágio? Tecnicamente, plágio musical é a cópia não autorizada de uma obra musical protegida por direitos autorais. Isso pode se dar pela cópia da melodia, harmonia ou letras, uso de samples sem permissão, ou passar um conteúdo como se fosse original. No nosso exemplo, a cópia pode não estar tão clara, desde que frases, letras ou melodias inteiras não sejam idênticas às originais. Não temos acesso às ferramentas de IA para dizer com certeza se foram treinadas em conteúdos originais. E mais, existem muitos artistas que compartilham características gerais comuns, então quem garante que o conteúdo foi copiado de um e não de outro, ou gerado aleatoriamente? Parece existir já uma zona nebulosa na própria música analógica humana sobre possibilidades de plágio entre artistas, como em longas e famosas brigas judiciais que acompanhamos em todos os tempos.

O fato é que, atualmente, não há precedentes legais sobre se esse tipo de uso da IA é plágio indireto, se legal ou não. É provável que esse tipo de questão seja testada nos tribunais nos próximos anos. Também é fato que as IAs generativas são úteis e têm potencial de revolucionar as artes criativas. E é claro que, enquanto estamos na zona cinzenta da regulação da IA, devemos desenvolvê-la e usá-la de forma responsável. Há muita polêmica no ar, e vamos acompanhar as cenas do próximo capítulo ao som de um vinil do Pink Floyd. O original, e não do Deep Pink Fake Floyd.

PS. Em poucos dias, o disco gerado por IA foi removido do Youtube com as mensagem “Video unavailable. This video contains content from Pink Floyd, who has blocked it on copyright grounds”. Parece que a IA generativa copiou um pouco demais o original, não é mesmo?

*Maurício Figueiredo é Professor associado da Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (EST/UEA), co-fundador do LSI – Lab. de Sistemas Inteligentes da UEA, pesquisador do Ocean Center, professor da pós-graduação em Ciência de Dados da UEA e professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Informática da Universidade Federal do Amazonas. Engenheiro Eletricista pela Universidade Federal do Amazonas, mestre e doutor em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na execução e gestão de projetos de P&D em parceria com empresas e projetos acadêmicos na área de Computação. Atua em temas relacionados a Internet das Coisas, Sistemas Inteligentes e Aplicações de Aprendizado de Máquina Profundo.

Veja também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *