Da remada ao impacto empreendedor: statup Awty une tecnologia náutica, bioeconomia e preservação dos rios da Amazônia

Startup manauara com alto impacto socioambiental e tecnológico recolhe até seis toneladas de resíduos por hora.
As águas da Bacia Amazônica abrigam rios que são fonte de esperança, subsistência e identidade para milhões de pessoas que vivem em suas margens. Eles são caminhos que movimentam a vida nas comunidades locais e também contribuem para a economia regional. O majestoso Rio Amazonas, considerado o curso de água mais longo do planeta, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), atravessa nove países da América do Sul e atua como espinha dorsal da bacia, reunindo as águas de mais de mil afluentes que correm formando ecossistemas essenciais para a biodiversidade da floresta Amazônica.
Para os moradores da região, esses rios funcionam como vias vitais, em resposta ao isolamento, permitindo o comércio, o deslocamento e a sobrevivência, já que são fonte de alimento com a oferta farta de peixes e fonte natural de irrigação de muitas plantas e árvores. No entanto, o crescimento urbano desordenado e atividades industriais sem sustentabilidade têm agravado a degradação ambiental. Em Manaus, capital do Amazonas e cidade mais populossa da região Norte, conforme dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), toneladas de resíduos sólidos urbanos são despejados nos rios e igarapés da cidade, que chegam na Foz do Igarapé do Gigante, afluente do rio Tarumã-Açu e rio Negro.
Foi diante dessa realidade desafiadora que, há mais de dez anos, um rapaz chamado Jadson Maciel decidiu agir. Movido pela preocupação ambiental e pelo desejo de fazer a diferença, iniciou um projeto de remada ecológica, recolhendo resíduos sólidos nos igarapés de Manaus. Com o passar do tempo, a ação gerou resultados gratificantes, como toneladas de lixo recolhidos e milhares de voluntários envolvidos.
A vontade de transformar esse processo em oportunidade, contribuiu para a ideia de uma resposta tecnológica e inovadora. Dessa forma, surgiu a startup manauara Awty, que utilizando tecnologias náuticas é capaz de remover resíduos sólidos de rios e igarapés, transformando esses materiais em produtos sustentáveis.
Remando para caminhos de esperança e sustentabilidade
Voluntária durante ação da Remada Ambiental. Foto: Divulgação Awty.
Em entrevista ao i9Brasil Portal de Notícias, Maciel contou que, com o passar do tempo, a paisagem dos rios começou a mudar silenciosamente, com o aumento constante de embalagens plásticas, garrafas, móveis e todo tipo de resíduos descartados de forma inadequada. O cenário que antes era limpo e sereno deu lugar ao adoecimento das águas e seu ecossistema.
Para o empreendedor socioambiental, tudo começou quando, cansado do mundo corporativo, decidiu alcançar sua fonte de renda mensal a partir de um flutuante no bairro Tarumã-Açú, na Zona Oeste de Manaus. Ao iniciar esta nova etapa da vida, algo o inquietava e tirava sua paz – o lixo nos rios. Decidido em fazer a diferença, Jadson iniciou o projeto social Remada Ambiental, um movimento formado por voluntários que, unidos pela mesma preocupação, começaram a recolher os resíduos dos igarapés da cidade.
Jadson Maciel, CEO da Startup Awty. Foto: Acervo pessoal.
Ao observar o potencial do impacto de sua iniciativa ambiental, o manauara decidiu criar, em 2016, a Awty – Guardião dos Rios. A startup utiliza tecnologias náuticas para remover resíduos sólidos de rios e igarapés da Amazônia, transformando esses materiais em produtos sustentáveis. O resultado gera impacto positivo na preservação das águas, e consequentemente, na qualidade de vida das comunidades ribeirinhas.
“A awty tem o grande desafio de envolver o ecossistema das comunidades ribeirinhas e também a sociedade como um todo. Mas o primeiro impacto positivo acontece no local que deixamos limpo, e no nosso quadro de funcionários, integrando moradores da região”, enfatiza o CEO da Startup, Jadson Maciel.
Poluição que adoece os cursos de vida

Lixos encontrados em um igarapé da cidade de Manaus. Foto: Edmar Barros/Amazônia Latitude.
A poluição dos rios não é um problema isolado. De acordo com o World Bank, o Brasil é o 4º maior produtor mundial de plástico, produzindo cerca de 11,3 milhões de toneladas de resíduos e, com uma média por pessoa de aproximadamente 16 kg de lixo plástico por ano. Pensando em contribuir na redução desses impactos, a Awty atua na gestão dos resíduos sólidos com base em cinco Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU: 6 – Água Potável e Saneamento; 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis; 12 – Consumo e Produção Responsáveis; 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima; e 14 -Vida na água.
“Percebemos que poderíamos inovar, trazendo um modelo de negócio diferenciado no Brasil. Com isso, a Awty agrega valor ao lixo plástico, desviando esse material dos aterros e promovendo sua reutilização”, disse Jadson Maciel.
Nas correntezas do isolamento e da desvalorização
Para a professora e pesquisadora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Aline Peixoto, empreender de maneira sustentável na Amazônia envolve uma série de obstáculos, principalmente por ser uma região com características específicas e desafios persistentes, como a infraestrutura precária e as dificuldades para a realização de capacitações técnicas em comunidades afastadas da região metropolitana.
A professora também cita que a escalabilidade e a consolidação de negócios sustentáveis na região costumam ser mais lentas, impactadas por questões burocráticas, de regulação e processos de licenciamento que muitas vezes acabam desestimulando o pequeno empreendedor.
“A capacitação técnica também é um desafio. Os índices educacionais na região tendem a ser mais baixos em comparação a outras partes do país, o que dificulta encontrar pessoas qualificadas no interior para poder alavancar esses empreendimentos. Além disso, a gente tem questões de regulação, capacitação técnica, mão de obra especializada e a dificuldade logística”, afirma Aline Peixoto.
Na visão do CEO da startup manauara Awty, considerada guardiã dos rios, o empreendedorismo socioambiental é desafiador, mas com paciência e dedicação, é possível conquistar seu espaço e construir resultados positivos.
“Os desafios são diários, porque esse ecossistema socioambiental ainda está longe do olhar do poder público e da atenção da sociedade. Mas nós temos propósitos e percebemos que apenas culpar alguém não resolve o problema, então passamos a apresentar a solução para este problema”, destaca Jadson.
A tecnologia náutica como caminho para novas oportunidades
Tecnologia da Awty em funcionamento. Foto: Acervo pessoal Jadson Maciel.
Diante dos persistentes desafios ambientais, a tecnologia náutica desponta como uma aliada no enfrentamento ao crescente problema dos resíduos sólidos nos rios amazônicos. Foi pensando em ampliar a escalabilidade no recolhimento dos lixos, que a startup Awty Guardiã dos Rios identificou uma oportunidade na produção de matérias-primas a partir desses resíduos.
Atualmente, a startup possui três mecanismos tecnológicos para a coleta de material. O Barco Maninguari, que faz a retirada dos resíduos por meio de uma garra manual; o Barco Maninguari 2.0, que utiliza uma esteira automatizada para recolher resíduos; e o Yara, um equipamento de coleta portátil operado por controle remoto. Este último é utilizado em igarapés rasos e possui um sensor de calor para não ferir animais. Com o uso dessas embarcações, a Awty é capaz de recolher até seis toneladas de resíduos por hora.
O material coletado é encaminhado ao galpão utilizado pela startup, localizado no Centro de Incubação e Desenvolvimento Empresarial (Cide), onde passa por triagem, lavagem e separação dos resíduos por tipo de plásticos: Polipropileno (PP), Polietileno de Alta Densidade (Pead) e Polietileno Tereftalato (PET). Após os materiais serem triturados, lavados e secados, o resultado final é o Polímero, rica matéria-prima que retorna para cadeia produtiva nas fábricas do polo industrial de Manaus.
Dessa forma, a iniciativa desempenha um papel que impacta positivamente não somente o ponto de vista ambiental, mas também social e econômico, por meio de uma tecnologia que une sustentabilidade e desenvolvimento regional.
“O nosso principal modelo de geração de renda é o B2G (business to government). O objetivo é que a Awty realize a coleta do lixo plástico em Manaus e nos demais 62 municípios do estado do Amazonas – com a perspectiva de irmos para outros estados do país, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, que estão em negociação”, comenta com entusiasmo o empreendedor Jadson Maciel.
Embarcações usadas para coleta de resíduos sólidos pela Startup. Foto: Divulgação Awty.
Empreendimentos sustentáveis são as respostas para a preservação ambiental!
Ao integrar inovação, consciência ecológica e responsabilidade social, os modelos de negócios sustentáveis demonstram que é possível prosperar sem comprometer o meio ambiente, oferecendo soluções concretas para a preservação ambiental no presente e para as futuras gerações.
Nesse contexto, a pesquisadora Aline Peixoto destacou a importância do empreendedorismo sustentável como uma estratégia para equilibrar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental e, sobretudo, com o bem-estar das populações locais.
“Quando a gente fala de empreendedorismo sustentável na Amazônia, a gente tem que pensar que está lidando com as pessoas que moram nessas localidades, que são pescadores, ribeirinhos, que cultivam, que pescam. Então, eles têm seu sistema local, seus hábitos de vida. Quando a gente fala de empreendedorismo sustentável na Amazônia, está lidando com essas pessoas, com esses locais, com esses espaços”, afirmou a pesquisadora.
Ela destacou ainda o papel desses empreendimentos do ponto de vista socioeconômico, ressaltando sua capacidade de reduzir a dependência de atividades predatórias, como o garimpo ilegal e o desmatamento, o que, consequentemente, contribui para a preservação ambiental.
“A sustentabilidade é uma forma de manter a atividade econômica, promover o desenvolvimento local, garantir o bem-estar das pessoas gerando renda, mas, ao mesmo tempo, preservar o que temos de mais precioso na nossa região, que é a floresta”, destacou Aline Peixoto.
A Awty é um desses empreendimentos que, além de contribuir com a preservação ambiental, considera o impacto social, não somente quanto à limpeza dos rios, possibilitando um ambiente mais saudável para os moradores da região e adequado para a pesca, mas também gerando renda, uma vez que emprega, em seu quadro de funcionários, a população ribeirinha.
A coletividade e a ciência fazem fluir a sustentabilidade
Voluntários da Remada Ambiental reunidos. Foto:Divulgação Awty.
A busca por soluções sustentáveis na Amazônia passa pela construção coletiva entre ciência, comunidades tradicionais e o setor produtivo. Como destaca Aline Peixoto, é essencial compreender que “a palavra sustentabilidade não vem apenas da questão ambiental, mas também do negócio se manter de pé, escalando e trazendo retorno local”.
A ciência e a tecnologia entram como aliadas para mapear possibilidades e otimizar processos, mas é com parceiros estratégicos, envolvimento comunitário e propósitos claros que a sustentabilidade se constrói e mantém continuidade.
Com consumidores mais conscientes, há uma oportunidade crescente de valorização de iniciativas comprometidas com o meio ambiente e com o social, como diz a pesquisadora:
“Tem uma tendência crescente de condensação entre consumidores, principalmente nas grandes cidades, e também entre as novas gerações, e isso se reflete na maior valorização de produtos com propósito. Ou seja, muitos consumidores estão dispostos a pagar mais por esses produtos que sejam ambientalmente corretos ou socialmente responsáveis”.
Ainda assim, é preciso equilíbrio: “A gente tem que tomar cuidado para isso também não levar muitos custos, porque, por mais que tenha uma conscientização, o mercado também se preocupa com preço”, alerta Aline.
Nesse sentido, a sustentabilidade é, acima de tudo, um caminho coletivo, que ganha força quando ciência, economia, natureza e populações seguem de mãos dadas. É por meio dessa integração que se constroem soluções duradouras, capazes de respeitar as particularidades dos territórios e promover justiça social e ambiental.
Por: Agatha Gonçalves e Vitória Serrão.
Foto de capa: Divulgação Remada Ambiental.
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