A Inteligência Artificial, os impactos no mercado de trabalho no Brasil e a necessidade de preparação da mão de obra

Por Farid Mendonça Júnior*
A ascensão da Inteligência Artificial (IA) e da automação representa um dos mais significativos desafios para o mercado de trabalho brasileiro nas próximas décadas. Segundo o estudo “Digitalização e Tecnologias da Informação e Comunicação: oportunidades e desafios para o Brasil” do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a tendência é que a automação se expanda de maneira generalizada, ainda que com intensidades distintas entre setores e regiões. Esse processo tende a impactar profundamente as relações de trabalho, afetando a distribuição de renda, o nível de emprego e o perfil das habilidades demandadas.
A automação possui a capacidade de substituir uma ampla gama de tarefas humanas. No contexto brasileiro, a situação é ainda mais complexa. Cerca de 62% dos empregos na América Latina estão em ocupações com alta probabilidade de automação, percentual significativamente superior ao registrado em países desenvolvidos. No Brasil, estimativas convergentes indicam que entre 55% e 65% das ocupações formais possuem alto risco de serem automatizadas nas próximas décadas.
Essa vulnerabilidade decorre, em grande parte, da estrutura ocupacional brasileira, fortemente baseada em atividades intensivas em tarefas rotineiras e de baixa qualificação. Trabalhadores com até o ensino médio incompleto apresentam uma probabilidade muito maior de substituição por tecnologias automatizadas, enquanto aqueles com maior escolaridade têm riscos significativamente reduzidos.
Outro elemento crítico é a desigualdade de impactos conforme o perfil demográfico dos trabalhadores. Jovens e trabalhadores menos escolarizados são os mais expostos aos riscos de automação, aumentando o potencial de aprofundamento das desigualdades já existentes no mercado de trabalho brasileiro. A informalidade, que representa cerca de 40% do emprego no país, também configura um fator mitigador, mas ao mesmo tempo um reflexo da fragilidade estrutural desse mercado.
Embora os riscos sejam expressivos, os efeitos da automação não se resumem à substituição de empregos. Existem evidências que apontam ganhos de produtividade e a criação de novos postos de trabalho, especialmente para profissionais qualificados e para setores que incorporam inovações tecnológicas, como a indústria de transformação. Empresas que adotam robôs, por exemplo, tendem a apresentar salários mais altos, embora também promovam um aumento na desigualdade entre trabalhadores qualificados e não qualificados.
A automação, portanto, está longe de ser um fenômeno neutro. Ela tende a aprofundar a segmentação do mercado de trabalho brasileiro, elevando a demanda por profissionais com alta qualificação técnica e reduzindo as oportunidades para trabalhadores que desempenham funções rotineiras. Isso reforça a necessidade urgente de políticas públicas voltadas à formação e à requalificação da mão de obra nacional.
A preparação para esse novo cenário demanda uma estratégia robusta de educação e capacitação. Programas de qualificação precisam ser orientados para o desenvolvimento de competências técnicas, especialmente nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), bem como habilidades socioemocionais, criatividade e resolução de problemas, atributos menos suscetíveis à automação.
Adicionalmente, o sistema educacional brasileiro deve ser reformulado para incorporar o ensino de competências digitais desde a educação básica. A democratização do acesso a cursos de formação tecnológica e o fortalecimento do ensino técnico e profissionalizante são medidas indispensáveis para reduzir o risco de exclusão social e econômica provocado pela automação.
Do ponto de vista das políticas públicas, o IPEA destaca a necessidade de se estruturarem programas de requalificação profissional, além de políticas de proteção social capazes de mitigar os efeitos adversos da substituição de empregos. Políticas de transferência de renda e reformas no sistema tributário (imposto de renda), com maior progressividade, podem atuar como instrumentos de compensação para os grupos mais vulneráveis.
Ao mesmo tempo, é fundamental que o Brasil invista em inovação e no fortalecimento de setores que têm potencial para gerar novos empregos e valor agregado, como a indústria de alta tecnologia, os serviços digitais e a bioeconomia. Esses setores podem funcionar como novos vetores de desenvolvimento e absorção de mão de obra qualificada, reduzindo os efeitos negativos da automação em setores tradicionais.
Faz necessário abordagens diferenciadas conforme a região e o setor econômico. A indústria de transformação é, historicamente, o setor mais suscetível à automação, enquanto o setor de serviços, até então um amortecedor das perdas de emprego, já começa a ser impactado pela adoção de robôs de serviço e aplicações de IA.
Outro aspecto importante é o reconhecimento da heterogeneidade entre as empresas. As maiores e mais produtivas são as que mais rapidamente adotam tecnologias de automação. Isso cria um desafio adicional, pois pequenas e médias empresas podem ficar ainda mais marginalizadas, ampliando a concentração econômica e as desigualdades regionais.
Por fim, é imperativo que o Estado brasileiro desempenhe um papel ativo na coordenação dessas transformações, promovendo um ambiente regulatório que estimule a adoção ética e responsável das tecnologias de IA, ao mesmo tempo em que protege os direitos dos trabalhadores e assegura mecanismos de inclusão social.
Em síntese, o avanço da Inteligência Artificial e da automação no Brasil impõe desafios consideráveis ao mercado de trabalho, exigindo respostas rápidas e eficazes em termos de políticas educacionais, de capacitação e proteção social. Apenas com ações coordenadas e estratégicas será possível transformar os riscos associados à automação em oportunidades de desenvolvimento sustentável e inclusivo para o país.
*Economista, Advogado Administrador e Assessor Parlamentar no Senado Federal.
**Artigo publicado também no site do Corecon AM/RR em 28/5/2025.
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