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Inteligência Artificial: precisamos ter medo?

8 de maio de 2023

Por Rubelmar Neto*, professor da UEA com MBA em Data Science e Analytics. Doutorado em Ciências – Engenharia Metalúrgica.

Sempre adorei filmes e livros de ficção científica e de fantasia. Há quem diga que ambas são a mesma coisa, sendo o gênero de fantasia apenas aquele se assume como ficção. Mas, por hora, vou me ater a contar como fui introduzido no universo de ficção científica. Olhando para o meu passado, percebo que eu tive uma adolescência privilegiada. Quando eu tinha em torno de 13 anos, talvez motivada pela popularização dos computadores pessoais, a indústria cinematográfica produziu verdadeiras obras primas em um intervalo de tempo muito curto. Começando a lista pelo “cristal sem defeitos”, o grande e aclamado Matrix, lançado em 1999 – considerado por muitos, um dos melhores filmes já lançados, me incluo nesses muitos. Na época em que não existiam vídeos explicando e interpretando filmes em plataformas como o YouTube, este filme explodiu mentes e deixou uma geração se perguntando se estava realmente acordada no mundo real, se é que existia ou existe um mundo real. Sim, isso realmente aconteceu! Fiquei uma semana acordando pensando que estava ainda dormindo e, em certa ocasião, quase quebrei a perna pensando que estava voando (quem nunca?!). Se existe alguém que sabe ler e decidiu ler este texto e não viu esta obra prima. Por favor, nem termine este texto! Vá ver esse filme! Continuando….no mesmo ano, foi ainda lançado o “Homem Bicentenário”. Nossa, que ano! Esse filme é capaz de emocionar e levar às lágrimas até aquele mais desprovido de coração dentre os seres humanos! Dois anos depois, em 2001, foi lançado o dramático e poético “AI – Inteligência Artificial“. O que eu teria a falar desse filme? Bem, posso resumir dizendo que escreveria facilmente um texto ou dois só sobre esse filme. Por enquanto, posso dizer que este filme me fez questionar o que nos faz humanos. Se bem que poderia dizer o mesmo de “O Homem Bicentenário”. Alguns poucos anos depois, em 2004, foi lançado o filme que me fez querer ter um braço robótico e ser policial em um mundo cheio de robôs inteligentes: a adaptação homônima do livro “Eu, Robô”, do maior autor de ficção científica que já pisou nesta terra. É claro que estou falando do grande Isaac Asimov!

A esta altura do texto você deve estar se perguntando: “Mas não era um texto refletindo sobre IA? Por que esse cara tá falando de cinema?” Permita-me saciar a sua dúvida, meu querido e sagaz leitor. Vou começar por uma pergunta: o que todos esses filmes têm em comum, fora o fato de serem obras primas produzidas pela humanidade? Bem, em todos os filmes que citei (e outros que certamente esqueci), existe a presença de máquinas pensantes, ou seja, providas de Inteligência Artificial. Em dois desses filmes, as máquinas são os mocinhos, na outra metade, os vilões. Preciso dizer que é impressionante a capacidade (e dinheiro investido!) dos estúdios de Hollywood em fazer filmes com robôs malvados querendo acabar com a humanidade. O que sempre me fez questionar, por que uma inteligência artificial superior iria se importar em acabar com a nossa raça? Talvez somente “Eu, Robô” tenha uma explicação plausível para isso. Voltemos para o início do texto: a diferença entre os gêneros fantasia e ficção científica…sejamos francos, é tudo fantasia. Porém, as obras de ficção científica (as boas) costumam imaginar mundos possíveis com base em tecnologias existentes ou que estão por vir, poderia destacar a série Black Mirror nesse quesito. Aí neste ponto, meu caro leitor, onde a fantasia (no caso, ficção científica) acaba esbarrando no nosso mundo real. Como já mencionei, nas últimas décadas, fomos bombardeados com obras explorando como máquinas malvadas podem nos matar. Recentemente, vi até como um aspirador de pó malvado poderia nos matar. Sério! Um aspirador de pó! Bem….continuando, como o nosso imaginário está transbordando com essas possibilidades nefastas envolvendo máquinas com IA, é natural que a chegada de uma nova tecnologia disruptiva cause medo e receio em um grupo de pessoas. Como exemplo, temos o impacto causado pela popularização recente dos chats inteligentes, dentre eles, podemos destacar, o ChatGPT da Open AI (que não é tão open assim), um IA capaz de conversar e redigir textos com uma similaridade humana, no mínimo, desconcertante. Ou poderia citar também o igualmente assombroso MidJourney, uma IA capaz de gerar ilustrações, quadros e combinações nunca criadas, ou seja, uma IA capaz de produzir arte. Como sempre gostei de me informar sobre tecnologias emergentes e especulações sobre o impacto de tecnologias que ainda nem existem, chegando a brincar que eu estaria no lado das máquinas no caso de um apocalipse (brincadeira…ou não…no caso de VOCÊ estar lendo), é comum amigos de outras áreas me perguntarem sobre o futuro, como se eu tivesse capacidade mediúnica de predizer o futuro (não tenho, caso alguém tenha ficado interessado).

Dez anos atrás, em 2013, lembro que começar uma discussão (saudável) com um amigo de infância com o qual dividia o apartamento. Ele já era médico na época e lembro que eu gostava de provocá-lo dizendo que tudo que ele fazia poderia ser feito por uma máquina. Resumindo, lembro dele ter ficado horas me explicando como o que ele fazia somente poderia ser feito por um humano. O relato tem um final feliz, acreditem! Dois anos depois, ele me convidaria para a apresentação do Watson da IBM para a comunidade médica de São Paulo, um evento promovido pela própria IBM. Viu? As pessoas mudam! Hoje, ele é um dos maiores entusiastas de tecnologia que eu conheço, vendo com alegria a chegada de cada nova tecnologia. Chegando a compartilhar como chefe dele estava testando o ChatGPT alguns dias após o lançamento. Já que chegou nele novamente, o ChapGPT, vamos voltar para este ponto especificamente. Alguns dias após o lançamento, lembro de trocar ideia com um amigo advogado. Tentei informar sobre o que era a tecnologia e argumentei que ela poderia ser útil profissionalmente. Da mesma forma que ocorreu com o meu amigo médico, a reação inicial foi similar: “O que eu faço no Direito, os textos que escrevo, jamais uma máquina poderá fazer igual! E, mesmo se puder, o ChatGPT não vai se sentar para ouvir o meu cliente!”. Novamente, analisando todo o contexto de filmes e séries que assistimos, esse medo é uma reação quase que esperada. Só que no lugar de nos matar, hoje, é mais para “ela vai roubar o meu emprego”. Não me atreverei em dizer que esse raciocínio é totalmente descabido de sentido, mas acredito que seja pessimista demais.

Para ilustrar o meu ponto, citarei o caso do pai da aviação Santos Dumont (pelo amor de Descartes, não foram os irmãos Wright brincando de catapulta!). Relatos históricos apontam como uma das principais causas do seu suicídio, em 1932, foi a tristeza por ver a sua invenção, o avião, ser usado na guerra para fins maléficos! Você aí leitor, você mesmo! Consegue imaginar o mundo sem as facilidades promovidas por esta maravilhosa invenção?! Infelizmente, o próprio pai da criança, Santos Dumont, decidiu olhar para a parte vazia do copo. O meu convite é que olhemos para a parte cheia do copo. Prefiro ficar com encantamento que senti aos 13 anos, acreditando que consciências artificiais novas podem surgir, tão belas quanto as nossas, como o menininho inocente de “AI – Inteligência Artificial”, do que máquinas em forma de insetos ou medusas querendo nos escravizar, como apresentado em “Matrix”. Por mais que eu queira tomar uma cervejinha e filosofar sobre a vida com um robô como aquele apresentado no “Homem Bicentenário“, a realidade ainda é bem distante disso, bem distante mesmo! Eis que aí, para mim, mora a segunda fonte de medo. O desconhecimento sobre o que são essas tais Inteligências Artificiais. Meu fascínio pela sétima arte, o cinema, facilmente me faz recordar do cérebro cibernético todo iluminado dos robôs apresentados no Eu, Robô. Entretanto, a realidade é bem diferente. E a realidade pode ser reduzida em uma palavra: Matemática! Sim, aquela mesma matemática do teorema de Pitágoras, ou sobre achar o valor desconhecido de x em equações. Gostaria de ter espaço para explicar todos os pormenores desta minha alegação.

O que posso dizer, por enquanto, é que na maioria das vezes que ouvimos o termo Inteligência Artificial, na verdade, estamos nos referindo a aplicação de um dos modelos bioinspirados mais famosos e populares, as Redes Neurais Artificiais (RNA). Sim, eu sei, esse nome deve ativar novamente o seu imaginário com um cérebro cibernético iluminado ou algo similar, peço desculpas por isso! Resumindo muito, os tais modelos de RNA são simplesmente um amontoado grande de equações juntas (me desculpem os matemáticos e cientistas de dados pela simplificação) e, o que fazemos, pode acreditar em mim, é nada mais do que achar os valores de vários x, nesse caso, os valores dos pesos da rede, não que isso seja importante nesse momento! Mas e as IA que geram texto? RNA! E as IA que analisam áudios? RNA! E as IA que geram arte? RNA também! Fica menos fantasioso analisar desta forma? Sim. Menos bonito? De forma alguma! A matemática aplicada com o apoio da computação pode realmente fazer coisas que desafiam a nossa imaginação e é muito belo quando entendemos mais a respeito. Para concluir, os modelos de IA realmente estão alterando a nossa vida, tendo potencial de deixar algumas profissões obsoletas ou diminuir o número de postos de trabalho. Algo similar já ocorreu e conseguimos achar nos livros de história, a Revolução Industrial! É clichê citar a revolução industrial, mas é também necessário. Pois preciso relembrar que na Revolução Industrial também foram criados postos de trabalho.  Então, se não formos tomados pelo medo de uma máquina nos escravizar, podemos prestar atenção nas oportunidades que irão surgir com essas Inteligências Artificiais disruptivas. E, garanto para vocês, muitas oportunidades surgirão. Mudando algumas profissões atuais para melhor e, similar às revoluções passadas, criando profissões. Podemos ainda deixar a nossa mente fantasiar sobre o futuro, mas o convite que faço é para olharmos o avião que voa, facilitando a vida e encurtando distâncias, é para sonharmos com uma IA realmente consciente nos deixamos menos sós neste universo cheio de escuridão.

Rubelmar Neto é professor da Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (EST/UEA). Possui MBA em Data Science e Analytics pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutorado em Ciências na área de Engenharia Metalúrgica, também pela (USP).

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