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Mercado de veículos elétricos no Brasil segue em expansão, mas esbarra na transição energética injusta com o transporte público

14 de fevereiro de 2024

O aumento em 2024 deve ser de 60% nos emplacamentos dos carros de passeio e entidades questionam o que chamam de modernização excludente (Foto: Freepik).

Alessandra Leite – Especial para o i9Brasil

SÃO PAULO – O mercado de veículos leves eletrificados seguirá em forte crescimento no Brasil, e as vendas poderão passar de 150 mil unidades em 2024, segundo previsão da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). O ano de 2023 já demonstrou ter sido um ano abundante para a eletromobilidade no Brasil, no qual as vendas dos veículos leves eletrificados superaram todas as previsões e terminaram o ano com 93.927 emplacamentos, o que representou um crescimento de 91% sobre as vendas de 2022.

Na avaliação do presidente da entidade, Ricardo Bastos, o aumento em 2024 deve ser de 60% nos emplacamentos, superando os números positivos de 2023 e até as previsões mais otimistas.

Os números expressivos, de acordo com a ABVE, consolidam uma virada do mercado de eletrificados no país, rumo aos veículos elétricos plug-in, aqueles que possuem recarga externa de baterias, são mais econômicos e possuem maior eficiência energética. Eles foram responsáveis por 56% das vendas de eletrificados leves no ano passado, com 52.359 unidades, ultrapassando os híbridos convencionais a gasolina e flex, que até o ano de 2022 ainda dominavam esse segmento.

Em dezembro de 2023, os plug-in atingiram 70% das vendas totais de eletrificados. Os números animadores, segundo Ricardo Bastos, refletem um conjunto de fatores, entre eles o anunciado aumento do imposto de importação de veículos elétricos e híbridos a partir do mês de janeiro, que ocasionou uma antecipação das vendas no último bimestre de 2023.

“Os números indicam principalmente uma sensível evolução desse mercado este ano, com os veículos plug-in chegando a dois terços das vendas em dezembro, confirmando a confiança e a preferência cada vez maior do consumidor pelas novas tecnologias”, destaca.

Na avaliação da ABVE, esse amadurecimento deve ser consolidado com o recente lançamento do Mover – Mobilidade Verde e Inovação, o novo programa do governo federal para o setor automotivo.

Na opinião do diretor de Infraestrutura e membro do Conselho Diretor da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Márcio Severine, a tecnologia de eletrificação dos veículos já foi aprovada pelo consumidor, sendo uma realidade consolidada. Para Severine, nos últimos anos, foi possível observar o crescimento consistente do mercado de veículos elétricos no Brasil.

“Junto com esse crescimento, a infraestrutura de recarga tem se aplicado, buscando atender a demanda criada. O número de instalações de carregadores em condomínios residenciais e comerciais tem crescido muito e outro mercado que está se multiplicando são os hubs que estão sendo instalados”, ressalta.

Para o diretor, a o gargalo da baixa infraestrutura de recarga será gradativamente resolvido, pois essa infraestrutura irá acompanhar a demanda gerada pelos veículos elétricos.

“Em um primeiro momento, a falta de demanda consistiu num entrave para a ampliação da infraestrutura de recarga. Mas com a demanda crescente, os pontos de recarga têm se multiplicado. Além do aumento do mercado de veículos elétricos plug-in,outro fator importante é a escolha dos pontos, pois ele deverá ter as características que permitam atender às necessidades de energia do projeto. Cada vez mais teremos equipamentos de alta potência sendo instalados”, afirma.  

Transição energética justa no transporte coletivo

A tendência positiva para o setor, porém, traz à tona outro lado dessa questão: a necessidade de uma transição energética justa na mobilidade urbana, cuja evolução considere o transporte público e o individual de forma simultânea dentro de uma política pública.

A avaliação é do especialista em mobilidade urbana do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Renato Boareto.

Para o especialista, o estímulo à eletrificação da frota de automóveis no Brasil precisa ser analisado sob o olhar de uma transição energética justa, já que o desenvolvimento tecnológico dos veículos com foco na eletrificação, automação e conectividade pode contribuir com a necessária redução de emissões de poluentes e gases de efeito estufa.

“Contudo, sozinho não se apresenta automaticamente como uma solução para enfrentar o uso desigual e injusto do espaço viário. Se o país continuar dando prioridade ao transporte individual em detrimento do coletivo, a situação de desigualdade nas cidades poderá piorar. O uso do automóvel como meio de transporte predominante pode ser ampliado para mais pessoas, mas os problemas causados pelo excesso de veículos nas ruas crescerão na mesma medida”, analisa Boareto.

Para o consultor do Iema, com a degradação do transporte público coletivo, os mais marginalizados ficarão ainda mais desprovidos de acessibilidade.

Para reforçar o debate sobre esse gargalo, o Iema chegou a lançar o estudo “Perspectivas para uma Transição Energética Justa no Transporte Público Coletivo no Brasil”, no qual aborda a transição energética na mobilidade urbana sob a ótica da política pública e não da tecnologia de veículos. No estudo, segundo o Iema, são analisadas as condições reais para essa implementação no Brasil, levando em consideração a crise no transporte público e a necessidade da troca de geração de emergia por fontes menos poluentes.

“São necessárias e urgentes as políticas de mobilidade e aprimoramentos estruturais nas cidades, implementando políticas ambientais urbanas de maneira integrada, incluindo a melhoria do ar e a mitigação dos gases de efeito estufa (GEE)”, ressalta o especialista.

Na avaliação de Renato Boareto, é possível alterar esse curso, contudo isso dependerá de uma firme sinalização por uma política consistente de desenvolvimento do país, onde prevaleçam os princípios da mobilidade como um direito, da garantia do transporte público como um direito social e universal, bem como de uma transição energética justa na mobilidade urbana.

Na opinião do especialista, a eletrificação dos veículos é uma grade aliada da redução de emissões de poluentes e de gases de efeito estufa, porém, há que se atentar para sua implantação em um ritmo que ele considera descompassado da capacidade de produção brasileira sustentada pela importação.

“Tudo isso pode gerar ainda mais desemprego, transferência de postos de trabalhos para outros países e, a longo prazo, a desestruturação da indústria instalada no Brasil”. Há esse risco no Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia, que estabelece a redução para zero do imposto de importação de veículos da União Europeia no prazo de 15 anos após seu início”, pondera.

Para o consultor do Iema, a combinação de carros elétricos proporcionalmente mais caros, desemprego na indústria brasileira e uso de recursos públicos para estimular seu uso significam uma “modernização conservadora e excludente”.

Em linhas gerais, de acordo com o especialista, para estimular o uso de carros elétricos é possível utilizar instrumentos de comando e controle, ou seja, regras para o mercado, como, por exemplo, cobrar mais impostos de carros à combustão e menos de carros elétricos, sem haver perda total de receita arrecadada.

“Para estimular a eletrificação do transporte público coletivo e a melhoria de sua qualidade, nossa recomendação é o uso de instrumentos econômicos (subsídios), pois os recursos públicos para a eletrificação devem ser direcionados prioritariamente para o transporte público e não para o transporte público individual”, finaliza.

A mudança de energia necessária para o planeta

O Brasil desponta hoje como um país caminhando a passos largos para outro nível mundial em fontes renováveis de energia. Atualmente, o país já utiliza 48% de energia renovável, número que está acima da média mundial, que é de 15%. Porém, ainda tem grande potencial de recursos hídricos, solar e eólico para ser explorado de forma estável e eficiente para o sistema.

O grande desafio, conforme o Ministério de Minas e Energia (MME) reside em conciliar geração de emprego, renda, inclusão social, combate às desigualdades, melhoria da qualidade de vida do brasileiro, reindustrialização, preservação da biodiversidade, da qualidade ambiental, dentro outros.

Nesse sentido, a Política Nacional de Transição Energética poderá, de fato, levar o Brasul para outro patamar em fontes renováveis de energia, em escala planetária.

No último dia do mês de janeiro, o MME e a Agência Internacional de Energia (IEA) assinaram o Plano de Trabalho Conjunto para a Aceleração da Transição Energética. O objetivo, segundo as instituições, é acelerar e ampliar a matriz energética brasileira de forma limpa, diversificada, plural e inclusiva, com investimentos em fontes renováveis de biocombustíveis.

O plano de trabalho, de acordo com o Ministério, contempla uma ampla gama de temas e projetos, incluindo a produção e intercâmbio de bases de dados sobre o setor de energia e o desenvolvimento de estudos para fortalecer a transição energética.

Na perspectiva do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a política interministerial é uma estratégia essencial para que o governo federal tenha meios de cumprir suas metas de enfrentamento à crise climática.

“O Brasil tem a vocação de ser o celeiro do mundo na produção de alimentos, mas também deve se fortalecer para que continue no caminho de ser um celeiro de produção de energias limpas e renováveis, de biocombustíveis para preservar o planeta”, destacou.

Mobilidade Verde e Inovação (Mover)

Segundo Márcio Severine, da ABVE, o lançamento do Programa Mobilidade Verse e Inovação (Mover), pelo governo federal, é um impulsionamento para a produção nacional de veículos elétricos e seus componentes. Isso porque o programa amplia as exigências de sustentabilidade da frota automotiva e estimula a produção de novas tecnologias nas áreas de mobilidade e logística, expandindo o antigo Rota 2030.

Criado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o novo programa vai promover a expansão de investimentos em eficiência energética, incluir limites mínimos de reciclagem na fabricação dos veículos e cobrar menos impostos de quem polui menos, criando o IPI Verde.

“É um programa que, dentre outros objetivos, visa incentivar a produção local de veículos elétricos e híbridos”, explica.

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