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Presença feminina na ciência cresce 29% em 20 anos, apesar dos gargalos para avançar na carreira

8 de março de 2024

Relatório da Elsevier em parceria com a agência Bori trouxe os resultados de duas décadas e aponta questões multifatoriais para que mulheres cientistas avancem em seus projetos

Alessandra Leite – Especial para o i9Brasil *

São Paulo – Com um crescimento de 29% em suas participações como autoras de publicações científicas nos últimos 20 anos, a produção das mulheres na ciência brasileira se aproxima de uma equidade de gênero, especialmente quando se trata de pesquisadoras mais jovens. Isso porque, à medida em que as carreiras avançam, os desafios vão aumentando e a falta de apoio institucional para lidar com múltiplas demandas ainda é um gargalo de gênero.

As informações estão no relatório da Elsevier – editora científica e empresa de análise de dados, em parceria com a agência Bori, serviço de apoio à cobertura de imprensa à luz de evidências científicas. O estudo, intitulado “Em direção à equidade de gênero na pesquisa no Brasil” foi lançado nesta sexta-feira, 8 de março, em alusão ao Dia Internacional da Mulher.

Na avaliação da gerente de Soluções para Pesquisa da Elsevier, Fernanda Saraiva Gusmão, trata-se de uma questão multifatorial e um dos entraves mais percebidos pelas cientistas seria o pouco ou nenhum apoio institucional para lidar com demandas importantes, como a maternidade.

Fernanda Saraiva Gusmão, Gerente de Soluções para Pesquisa da Elsevier

“Uma das questões mais importantes é a maternidade. Um exemplo disso é que as bolsistas mulheres de pós-graduação têm o mesmo tempo que os bolsistas homens para entregarem seus projetos, porém muitas vezes elas assumem vários papéis: são mães, esposas, cientistas, responsáveis pelo lar. Como equilibrar todas essas demandas”, questiona Saraiva.

De acordo com o relatório, no ano de 2022, 49% da produção científica brasileira tem ao menos uma mulher entre seus autores. Atualmente, o Brasil ocupa a terceira posição de países com maior participação feminina na ciência, entre as nações analisadas [18 países mais a União Europeia], ficando atrás apenas da Argentina e de Portugal, cada um com 52% de publicações científicas com autoras mulheres. 

A participação feminina na produção científica cresceu também em áreas associadas à Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, em inglês), passando de 35% em 2022 para 45% em 2022. Apesar disso, o estudo observa que há uma redução na velocidade de crescimento da participação de mulheres nas referidas áreas a partir de 2009-2010, se for considerado o crescimento total de todas as áreas somadas.

Carreira avança e participação diminui

Entre 2002 e 2022, o percentual de mulheres entre autores de publicações científicas cresceu em todas as fases da carreira das cientistas. Contudo, os dados do relatório mostram que, conforme a carreira avança, a tendência é de diminuição da participação feminina. De 2018 a 2022, por exemplo, as mulheres da faixa específica de até cinco anos de carreira foram autoras ou coautoras em mais da metade (51%) das publicações. Essa participação feminina em autorias ou coautorias cai para 36% entre pesquisadores com mais de 21 anos de carreira.

Questões culturais em pauta

Para Fernanda Gusmão, da Elsevier, há também os temas culturais, quando se trata das dificuldades das mulheres para publicar à medida que a carreira avança. Segundo a gerente de Soluções, que fez a análise sobre dados da pesquisa, tradicionalmente os cargos de liderança são ocupados por homens, tendo ainda bastante preconceito em relação às mulheres nesses cargos.

“Acredito também que as mulheres não eram incentivadas a almejar cargos mais elevados na ciência, pois isso não era visto como algo possível. Apenas recentemente essa visão começou a ser modificada”, ressalta.

Gusmão chama a atenção para o fato de que o terceiro lugar do Brasil está impulsionado majoritariamente pela grande participação de brasileiras em áreas relacionadas a ciências da vida e humanidades. No entanto, destaca, quando se olha para áreas relacionadas à Ciência, Tecnologia, Engenharia e Medicina, a participação feminina cai bastante. “Isso ocorre porque as disciplinas de ciências, engenharias, tecnologia e matemática ainda são estigmatizadas como mais ‘masculinas’. Não podemos ignorar esse preconceito, pois isso influencia na probabilidade de jovens adolescentes cultivarem seu próprio interesse por essas áreas”, pontua.

Para ela, são necessárias políticas institucionais e nacionais com o intuito de apoiar a continuidade das mulheres em pesquisa e carreiras científicas. Uma dessas iniciativas consideradas positivas é o grupo de trabalho criado pelo MEC – Ministério da Educação, para realizar estudos técnicos relacionados à Política Nacional de Permanência Materna nas Instituições de Ensino Superior.

“A maternidade é frequentemente mencionada pelas cientistas como um desafio para o qual elas necessitam de apoio institucional. Várias universidades estão ouvindo essas demandas e procurando apoiá-las com prazos estendidos para submissão de projetos, ou não contabilização do ano da maternidade, por exemplo. Entretanto, ainda precisamos de políticas nacionais, cujos pilares estão sendo discutidos no momento”, enalteceu. 

Igualdade de gênero mais lenta nas patentes

O relatório também analisa a participação feminina na proposição de patentes de inovação. Neste caso, o movimento em direção à equidade de gênero é mais lenta: as patentes em que todos os inventores são mulheres ficaram com estabilidade nos últimos 15 anos, de apenas 3% a 6%. Esse movimento não acompanha o ritmo de crescimento das patentes em que os inventores são homens e mulheres. Nos últimos anos, essas patentes cresceram de 24%, em 2008, para 33%, em 2022.

Sobre as mulheres não avançarem nas patentes, o estudo demonstra que isso é um reflexo exatamente da baixa participação das mulheres nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Medicina, áreas em que a atividade de patenteamento costuma ser mais promissora e rentável.

“É um problema estrutural, que requer soluções multidimensionais. No entanto, nós temos iniciativas positivas em andamento, como o Comitê Estratégico de Gênero, Diversidade e Inclusão no INPI, que tem o objetivo de implementar políticas que ampliem a participação de grupos minoritários, como mulheres e negros, entre as pessoas que registram pedidos de patente ou trabalham com proteção à propriedade intelectual no Brasil”, reforça Gusmão.

O documento traz, ainda, um levantamento da quantidade de autores homens e mulheres que assinaram publicações científicas entre 2002 e 2022, na base de dados Scopus, a partir de ferramenta da Elsevier. A ferramenta atua localizando informações sobre gênero de dados bibliométricos de forma binária, ou seja, tem suas limitações. Esse é o quarto de uma série de relatórios da Elsevier em parceria com Bori, com informações sobre a ciência brasileira.

Prof. Carlos Henrique de Brito Cruz, Vice Presidente Sênior de Redes de Pesquisa da Elsevier, foi um dos responsáveis pelo estudo.

*Com informações da agência Bori

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